Contos de Aprendiz

Por Marina Cabral da Silva

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A salvação da alma – Eram cinco filhos, quatro meninos e uma menina. Moravam em uma cidadezinha onde brigar era coisa comum e questão de fazer valer sua honra. Os meninos mesmo brigavam muito entre si. O filho mais velho, Miguel, tinha ido pra cidade grande fazer o colegial deixando os outros irmãos que sempre imaginavam que com o irmão mais velho ali as coisas seriam diferentes. Ester, a única filha mulher, era o meio dos rapazes conseguirem dinheiro, vendiam a ela coisas que encontravam e ela sempre comprava, pois o pai sempre lhe dava dinheiro. Com a chegada de alguns padres na região os meninos foram levados pra confessar. Depois disso Tito, que era o penúltimo filho, chegou ao seu irmão mais novo com quem sempre brigava e humilhava nas lutas e pediu perdão, ofereceu-se a fazer qualquer coisa, primeiramente o menino disse que já tinha o perdoado, mas depois deu a ele pra se redimir a pena de levá-lo montado em suas costas e a cada distância gritar que era um burro. Como o irmão passara a andar devagar com ele em cima o mais novo lhe chutou as virilhas. Rolaram no chão em brigas e no outro dia não puderam comungar.

Sorvete – Joel e seu colega moravam em uma pequena cidade, no entanto, para quem vinha do campo já era de se impressionar. Os meninos costumavam ir ao cinema, mas em uma tarde ao passarem pela confeitaria viram um anúncio em que se oferecia sorvete de abacaxi, especialidade da casa. O amigo de Joel quis deixar o filme para ficar e tomar o sorvete, porém acabaram indo para o cinema. Lá não conseguiam prestar atenção, só pensavam no sorvete. Abandonaram o filme e foram à confeitaria. Experimentaram e odiaram, Joel comeu do mesmo jeito e o amigo foi obrigado a comer também. Deixar o sorvete na taça era ferir a honra da família. Ambos tomaram até o fim aquele sorvete que odiaram.

A doida – Na cidade havia uma doida, muitas justificativas do porquê que se tornara louca. Vivia em uma casa isolada de onde, às vezes, saia uma nega que por três meses ou menos trabalhou ali como doméstica. Os adultos para assustar as crianças faziam ameaças como: “você vai almoçar com a doida, dormir, morar com ela”. Certa vez um grupo de meninos tacava pedras na casa da doida, queriam vê-la sair da janela gritando palavrões, no entanto, ela não apareceu. O mais novo dos garotos encheu-se de coragem e penetrou o jardim, logo estava dentro da casa e os outros meninos já tinham ido embora. Na casa suja e destruída encontrou um quarto nas mesmas circunstâncias, porém ali estava a doida, ao vê-la não quis mais machucá-la, pelo contrário, percebeu que ela estava à beira da morte e se compadeceu, ficando junto dela esperando o momento chegar.

Presépio – Das dores era jovem e seu pai a enchia de tarefas para que ela não ficasse com tempo vago pra pensar em bobeiras. Nem por isso a menina deixara de viver, tinha um namorado, Abelardo. Naquele dia era véspera de natal e ele tinha ido visitá-la. A visita atrasou a finalização do presépio. Era isso que afligia Das dores, ela era a única que sabia montar corretamente o presépio e tinha que terminá-lo naquela noite, mas terminar aquilo a impediria de ir à missa de galo para ver Abelardo. Ela conhecia bem o relógio e como as horas voam quando se precisa dela, os irmãos ainda a atrapalhavam e a visita de amigas para combinar o horário de irem à missa também. Das dores montava o presépio, mas em cada objeto só via e pensava em Abelardo.

Câmara e cadeia – Estavam todos os homens da Câmara Municipal ali discutindo os impostos a serem cobrados, no entanto, entre todos aqueles homens só um fazia o trabalho, Valdemar. O calor abafava a sala e ele foi até a janela onde ficou olhando as redondezas. Embaixo da câmara ficava a cadeia, ele se lembrou de quando era menino e como a imagem dos presos já lhe era familiarizada. Foi em meio a isso que ouviu barulhos que o fez voltar à sala. Um preso havia fugido e ido lá para a câmara, os homens gritavam querendo o submeter à sua “autoridade”, Valdemar convenceu o preso de se sentar e ali ele contou que abrira a fechadura e saíra, tinha ido até lá para ver os homens que pisam na cabeça dos presos, contou também do calor e das nojentas refeições da cadeia. Até que Valdemar levantando disse que teria que prendê-lo novamente, o preso naturalmente tentou fugir, Valdemar deixou o problema com os policiais que já o perdiam de vista na fuga.

Beira rio – As chamadas terras da companhia eram lideradas pelo capitão Bonerges. Lá as bebidas alcoólicas eram proibidas e talvez por isso os trabalhadores fossem tão desanimados, não tinham o que lhes fizesse esquecer a realidade. Até que chegou por ali um negro que vendia bebida, claro que agia de forma escondida, porém nos trabalhadores logo se encontrou uma animação e disposição para o trabalho nunca visto. Bonerges desconfiando enviou dois homens para que rondassem o negro e o retirassem das terras com suas bebidas, no entanto eles voltaram alegando nada ter encontrado, mas seus bafos eram de bebida. Bonerges então chamou o capitão do destacamento policial. Eles chegaram e logo o negro afirmou ter licença do governo para ter aquele comércio ali, no entanto os homens destruíram a vendinha e todos os produtos obrigando o negro ir embora, esse foi, mais sem pressa, caminhando lentamente mesmo ao som dos tiros.

Meu companheiro – O homem na estrada pagara mais que o necessário por um cachorrinho, não passava de um vira-lata, mas tinha traços de cães de raça. Levou-o pra casa e já lhe dera o nome de pirulito para evitar confusões. A mulher não era muito chegada a animais de estimação, gostava do bichinho, mas não se aproximava. Ao filho mais novo foi dado o título de dono, porém pirulito gostava mesmo era do homem e ele do cachorrinho. Os dois eram companheiros e se punham a conversar, os meninos até implicavam, pois o cachorro gostava de gente “velha”. Então certo dia o cachorro desapareceu, o homem até pensou ter sido ação da esposa, mas logo desconsiderou, só sabia que o amigo tinha ido embora como muitas pessoas fazem.

Flor, telefone, moça – Uma amiga lhe contou essa história. Uma moça morando em uma cidadezinha vivia em uma casa ao lado do cemitério. A diversão muitas vezes era assistir os velórios. A menina de tanto acompanhar tais eventos se habituou ao cemitério e por lá já passeava. E foi em um de seus passeios que arrancou do chão uma florzinha insignificante e, instantes depois, a lançou fora sem maiores preocupações. Foi ai que começou a receber ligações de uma voz distante e suplicante que todo dia ao mesmo horário pedia sua flor de volta, aquela que nascera em sua cova. Como as ligações não paravam a menina contou aos pais que pediram ajuda policial até que só passaram a acreditar no conteúdo espiritual daquela voz e procuraram em centros ajuda. A voz não parou e ligou até que a menina de tal forma perturbada morreu.

A baronesa – Luis vivia naquela casa há um bom tempo e só vira a rica baronesa quatro vezes. E no dia da morte dela, saiu correndo em busca de Renato, o sobrinho-neto. Chegou a casa dele e juntos voltaram para a casa onde a baronesa vivia. Tratava-se de uma rica senhora e quanto mais cedo se chegasse de mais jóias se apoderaria. Renato chegou, entrou no quarto e pegou o poço que sobrara, incomodando a posição de morte da baronesa, e depois saiu do quarto. Luis o esperava, entraram no banheiro e fizeram a partilha justa das jóias da morta.

O gerente – Samuel não se casara, era o gerente bem sucedido do banco, vivia a freqüentar a sociedade até que incidentes se deram. Primeiro ao beijar a mão de uma dama a quem cumprimentava essa começou a sangrar, outra vez depois do jockey novamente quando ia beijar a dama em despedida passou correndo em um cavalo um homem e logo se viu a Mão da mulher sangrando. O médico avaliou que o dedo tinha perdido sua ponta através de uma mordida e logo acusaram Samuel, a polícia o questionou mas em nada resultou. Em uma festa, novamente ao cumprimentar uma dama, ao mesmo tempo em que um garçom passava a ponta do dedo lhe foi arrancada. A essa altura as mulheres temiam os cumprimentos de Samuel. Teve por fim uma última dama com quem tomara um sorvete e conversara sobre o inventário e outra coisa, quando foi se despedir entrou um homem vendendo lâminas e o dedo da viúva sangrou depois do beijo. Com isso, Samuel foi afastado do banco e foi morar em São Paulo, trabalhando no banco de lá, anos depois voltou ao Rio e se encontrou com a viúva que perdera a ponta do dedo, porém ela tinha adquirido uma infecção e teve o braço amputado. Os dois continuaram o encontro, porém apenas bebendo muito. Na manhã seguinte Samuel voltou a São Paulo sem finalizar o negócio que tinha levado ao Rio.

Nossa amiga – Uma menina de três anos vivia entre duas casas, para as quais ia sozinha mesmo. Para evitar a mão bisbilhoteira criaram Catarina, uma menina que por brincar com um cachorrinho de vidro que a mãe não tinha permitido, quebrou-o e virou uma borboleta “bruxa”. E Pepino que era um velho bêbado e curvado que pegava as crianças. Às vezes a menina não queria ir embora de uma casa para outra com medo do Pepino, falavam que iriam dar uma festa e chamar Pepino só para a menina ver como ele era bonzinho e ela com raiva ia embora dizendo que não viria à festa, mas logo voltava arrumada e de banho tomado. Festas era o motivo pelo qual ela tomava banho. Por fim, brincava também de mamãe, usando frases colhidas da conversa dos adultos.

Miguel e seu furto – Miguel se tornou um homem simpático, porém nunca assumira uma posição na vida e agora, findado o seu sustento, dormia em jornais. E foi lendo as manchetes desses que teve a grande idéia de roubar o mar. E assim o fez, mesmo que o mar ficasse no mesmo local novas regras tinham sido estabelecidas, como o imposto pago a Miguel e a proibição dos banhos para manter a moralidade. Ele se tornou tão rico que queimava sua riqueza para ter onde guardar as coisas que constantemente adquiria. Porém, um dia um menininho saiu correndo e arrancando suas roubas corajosamente nadou no mar e logo o povo juntou pra ver, e outro menino entrou e de repente todos se apoderavam novamente do mar. Miguel depositou sua fortuna em bancos seguros e passou a colecionar conchinhas para se lembrar de sua ex-propriedade.

Conversa de velho com criança – Ele observa o velho e a menina no ônibus. A menina, como descobriu perguntando, chamava Maria de Lourdes e o velho descobriu que chamava-se Ferreira ouvindo a conversa dos dois. A menina trazia um pacote de balas como a um tesouro e o velho vinha carregado de compras e em pé. Quando o cobrador veio, com dificuldade o velho arrancou do bolso uma moeda para pagar a passagem, porém essa lhe caiu das mãos indo parar na rua. Pararam o bonde e procuraram a moeda e como não a acharam o velho não teve que pagar. A menina ofereceu uma bala a Ferreira que aceitou, ambos eram amigos, notava-se só de olhar, percebia-se também que a menina só oferecera a bala para ela também poder comer. Quando o bonde parou os dois desceram e o homem ficou a se perguntar se eram grandes amigos ou apenas vô e neta muito amigos.

Extraordinária conversa com uma senhora de minhas relações – Ele estava em pé no ônibus se segurando pelas argolas que ficam no teto, ela estava sentada e, como eram conhecidos, sorriram. Ele não se lembrou da imagem dela, até porque a via de cima pra baixo, então quando ela o cumprimentou com um bom dia tentou decifrar quem era através da lembrança da voz. Não conseguiu e se pôs em avaliações sobre o vestido dela, o valor que dava as curvas certas e os limites que impunha. Ela lhe perguntou como ia e só na segunda vez que ele a respondeu com versos, segundos depois corrigidos pela pergunta certa, “Vou bem. E a senhora como vai?”, ao que ela lhe falou sobre sua preocupações com um gato, eletrocardiogramas e etc. No entanto, ele não a ouvia pois se questionava sobre ultrapassar ou não os limites. Depois disso o ônibus parou e ela desceu, sendo pra ele essa a mais extraordinária conversa que tivera com damas de sua relação.

Um escritor nasce e morre – Ele morava em uma cidadezinha pequena e em uma aula de geografia a professora falava sobre países longes e citou o Pólo Norte, foi ali que o escritor nasceu. Escreveu a viagem da sua cidadezinha ao Pólo Norte, a professora tomou o texto e o afirmou como um grande escritor. Foi assim que ele cresceu e foi embora, escreveu contos e poesias, não gostava de se achar um escritor literado e fazia críticas aos outros. Ao fundo ouvia uma voz que lhe afirmava ser um artista nato. Então aos trinta anos morreu.

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Por Rebeca Cabral