O burrinho pedrês

Por Marla Rodrigues

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Sete-de-ouros era um burrinho já velho e que tinha passado por muitos donos. Já se chamara brinquinho, rolete, Chico-chato e capricho. Agora vivia na fazenda do major Saulo sem preocupações e desinteressado por tudo que o cercava.

Havia chegado o dia de sair com o gado em comitiva que os levaria até a cidade e dali eles embarcariam direto para o corte. O rebanho do major era admirável, criado da melhor maneira e com a melhor alimentação. Fazia inveja aos demais fazendeiros, muitos deles até usavam enxofre junto ao sal do gado para engordá-los rapidamente.

No dia em que o major e seus vaqueiros iam sair na comitiva já podia se ver a chuva que chegava. Os animais nos currais já estavam agitados e por esse motivo Sete-de-ouros saiu e foi se instalar ao lado da casa grande. Ali estava mais tranqüilo que no curral, sossegado como o burrinho gostava, conforme sua velhice.

O major então viu o burro ali e pediu a seu peão mais fiel, Francolim, que selasse Sete-de-ouros porque faltaria um cavalo para os dez vaqueiros que iam na comitiva, além de Francolim e o do próprio Major. Por fim eles saíram e o burro sobrou para João Manico.

Antes de partirem, Francolim tinha falado ao major que Silvino pretendia matar Badu. O major não deu atenção à denúncia e assim todos partiram. Um dos vaqueiros, conhecedor das vontades dos bois, deu seu diagnóstico sobre os animais e assim acabaram trocando alguns deles que provavelmente criariam problemas. Quando finalmente partiram, depois de algum tempo, a chuva os alcançou.

Seguiam assim sob a chuva e conversavam. Um dos vaqueiros contou um caso de um touro muito bravo que vigiava para poder aprender a amansá-lo. Em determinado momento, o vaqueiro ouviu o rugido de uma onça que lhe fez subir em uma árvore. Era noite clara, e enquanto ele temia a onça, viu o touro meter tanto medo no felino que o mesmo acabou desistindo de seu ataque. Mais atrás iam o major e Manico que conversavam, com aquele lhe falando como os homens obedeciam tão fielmente a ele por medo e respeito que lhe tinham.

Nessas circunstâncias um dos bois partiu com tudo pra cima de Badu e ele por muito pouco escapou do ataque do animal. Francolim rapidamente chegou ao major afirmando ter visto tudo e contando que na verdade Silvino tinha irritado o boi com um pano vermelho, lançando-o em cima de Badu. O major, depois disso saber, chamou Raymundão para saber sua opinião, mas este achou que tudo fora apenas um acidente.

Depois Raymundão contou a história de um boi que matara o filho de um fazendeiro, e que o rapaz tinha tanto amor pelo boi que, antes de morrer, pediu ao pai que não matasse o animal. E assim o fazendeiro pediu a Raymundão que levasse o boi embora e o vendesse ou deixasse com quem o quisesse. E assim depois de fazer um “feitiço”, levou o boi embora e ao chegar na cidade o boi passou a noite urrando até que no outro dia amanheceu morto.

Ele ainda falou sobre Silvino, que vendera tudo o que tinha a um preço baixíssimo para poder voltar pra sua terra.

Eles seguiram em paz até a cidade, a não ser pela pequena dificuldade de atravessar o rio que tinha sofrido uma cheia. Entrando na cidade, as pessoas se afastavam e seguravam as crianças para os doze homens passarem junto ao grandioso rebanho. Depois da tarefa cumprida e com os bois indo para o corte, o major deixou Francolim como seu substituto na volta para casa. Ele ficaria ali na cidade para visitar sua família. Por fim, alertou ao vaqueiro que vigiasse Silvino porque tinha certeza que este queria matar Badu e fugir, e a maior prova é que tinha vendido tudo o que tinha.

Os vaqueiros então foram todos beber e comer para seguirem a viagem de volta. Badu, que estava mais bêbado que todos e se demorou muito a ir embora, acabou voltando no burrico. Os outros já estavam todos à frente, exceto por Francolim que o esperou para protegê-lo de Silvino.

Eles seguiam na viagem de volta e foi Manico quem contou uma história. Certa vez levava uma boiada feia e magra, junto com um negrinho que se lamentava o tempo todo, pedindo para que o deixasse voltar. Na ocasião Manico já trabalhava para o major Saulo, mas na época ele ainda era moço e não possuía de fato as terras de seu pai.

Naquela noite Saulinho, como chamavam-no, deixou os vaqueiros descansarem, sendo que dois deles passaram toda a noite vigiando. E então o negrinho cantou uma música muito triste e todos adormeceram. No outro dia quando acordaram, o gado todo tinha se dissipado e os dois vaqueiros que estavam na vigília tinham sido pisoteados pelos animais, não sobrando nada. O negrinho, misteriosamente, também tinha sumido.

A esse ponto eles tinham chegado perto do rio, mas suas águas tinham subido ainda mais, e então, temerosos com a escuridão e com a expansão do rio, esperaram Badu chegar para saber se prosseguiam ou não. O motivo era que Badu estava montado no Sete-de-ouros e burros só entram em lugares que conseguem sair, logo se ele encarasse a enchente todos podiam encarar também.

Badu, bêbado como nunca, chegou. O burrinho se meteu na água e os vaqueiros foram atrás. Apenas dois ficaram: João Manico, que cismara em não entrar porque um passarinho ali perto cantava “João, corta pau!” e Juca, que ficou para lhe fazer companhia.

No rio muita luta, tanto do burrinho quanto dos cavalos. No dia seguinte encontraram todos os cavalos e vaqueiros mortos, exceto o burrinho, que escapara com Badu no lombo e seguira até a fazenda onde ficou pastando calmamente enquanto Badu, bêbado, caiu ao seu lado. Todos os outros foram encontrados no que sobrou da cheia do rio, tirando Francolim que havia se segurado no rabo de Sete-de-ouros e ficou caído na margem do rio.

Por Rebeca Cabral